vendredi, décembre 31, 2010

avisto-a de relance e adivinho-a imediatamente, prevendo todos os seus traços modestos e curvilíneos, o corpo delineado com uma perfeição virginal. saboreio-a mentalmente, provando os gomos, citrino intocável, levemente ácido como quem não espera outra coisa do planalto abstruso que é a vida. faz-me divagar e fantasio, primeiro de forma leve, tímida, regida pela inocência, mas depressa o pensamento escorre de forma inusitada, viscosa. acrescento-lhe um não sei quê de sal, receita passada escrupulosamente de geração em geração, como um anel de safira. os mesmos termos, a dicção acentuada nas mesmas sílabas, um leve pender para as esdrúxulas, desde sempre mais poderosas, sobranceiras no seu posto. uma carcaça seca atirada para um canto. dispo a pele oleosa como azeite, esperando que ninguém veja tal acto. o galo canta marcando sinal da sua presença e eu corto-lhe de imediato a cabeça. justifico-me de forma mais ou menos plausível, não suporto toques fora de hora, e depressa encerro o duche e deixo marcas de água na madeira polida, nova como um bebé enrugado, acabado de sair do ventre de uma mãe inexperiente. o meu oposto. nunca serei mãe. enxaguo o chão e a água não sai. os rios são feitos de lágrimas de pássaros, e não há pano que as encerre, as cale. minha alma é beija-flor, palpita rápido, rápido, o bater de asas atento. radar biológico. mente desperta, sangue concentrado nas pernas, tez branca como leite de cabra. pondero, olhando a casa. um corvo sai pela janela. o corvo sou eu. adeus, adeus meus amigos. não se trata de fugir, é talvez o acto mais puro de se ser livre.

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