mardi, novembre 23, 2010

sento-me e espero, recostada em mim mesma, qual gárgula firme e erecta, de olhos esbugalhados e ameaçadores. olhar que mata metaforicamente, porém o sangue é o mesmo, não julguem que a realidade metafórica é menos real que a realidade mundana. permaneço assanhada, distante e presente, atenta ao que se passa. observo a presa calmamente, e espero. quero degolá-la; espero que recolha minuciosamente as últimas insignificantes migalhas das minhas mãos frias, e observo-a com uma piedade mal fingida. deteriorei-a com palavras e inalo agora o odor a carne putrefacta. mato com palavras afiadas, cruas e vazias. carregadas de camadas inúteis. abafo-as, corto-lhes a respiração com todas as máscaras impostas e requeridas por elas mesmas. são os seus próprios lobos, os seus próprios medos, ânsias, desilusões. insistem em seguir um pêndulo feito de doce que não existe, derretendo-se na boca da eternidade desconhecida. observo todo este cenário do meu posto, algures no topo do mundo. sento-me e espero, desejando tudo aquilo em que não me tornei. a carapaça que deixei, escancarada, algures. arranca-me a pele, que estamos em mudança de estação. esfola-me, vê-me o sangue, que de tão coloidal que é, não chega a ser nada mais do que água vermelha. sinto-me seca. pedra. ainda ninguém me analisou. ninguém entrou, ninguém abriu. ninguém me encheu o coração. ninguém pegou num pouco de ventrículo e dividiu comigo. cá espero. amo quem passa, e logo esqueço as suas caras meramente humanas, que de nada têm assim de tão especial. refugio-me nas minhas sapatilhas e nas minhas listas de coisas sucessivas que desejo obter, maníaca por objectivos, odeia perder tempo e é maldita, sagaz, maléfica, tão protegida por nada. vou matá-la, que me cansei de escrever sobre ela.

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